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Anita Malfatti


Anita Malfatti protagonizou dois dos mais importantes momentos de ruptura da história das artes plásticas do Brasil, espelhando (tardiamente, ressalte-se) mo­vi­­­­mentos do exterior: a exposição de 1917 e a Semana de Arte Moderna de 1922. Esta sua presença - mais do que atuação - lhe confere um papel destacado que se soma à sua própria obra e faz de Anita uma das figuras mais importantes de nossas artes na primeira metade do século XX.

Contribuiu para essa posição a repercussão de um pequeno artigo de Monteiro Lobato a respeito da exposição de Anita de 1917 publicado no jornal "O Estado de São Paulo", naquela ocasião. Nesse artigo, Lobato não deixou de elogiar o talento e a técnica de Anita, mas deplorou de maneira sarcástica e impetuosa a vinculação da jovem pintora à "paranoia e mistificação" que atribuía aos movimentos modernistas de vanguarda. Talvez a exposição ficasse num quase anonimato, referência apenas didática, não fosse o movimento que se seguiu de solidariedade e, aproveitando a maravilhosa ocasião, de contestação, tendo como pano de fundo o conturbado e revolucionário momento social, político e econômico do país e notadamente de São Paulo, dentro de um processo intenso de crescimento urbano/industrial e acomodação de imensas ondas de ex-escravos e de imigrantes, das mais distintas etnias e culturas. Os modernistas, fundamentalmente formados por intelectuais oriundos da classe dominante e contando com um conhecimento prévio e substancioso do que ocorria na Europa e mesmo nos Estados Unidos, fizeram desse "arroubo juvenil" um estandarte para o lançamento de suas novas convicções estéticas, num afrontamento aos padrões acadêmicos da velha e tradicional província. E Anita transformou-se - além de bandeira - até mesmo em "mártir" desse processo. O abandono de sua vinculação ao expressionismo, sua "mudança de rumo", como lastimava Mario de Andrade, foi atribuído, falsamente, ao artigo de Lobato, que teria inibido ou estimulado a mudança drástica de sua trajetória, para os modernistas, principalmente Mario de Andrade, com grande perda de sua qualidade inicial.

Anita Malfatti, filha de imigrantes alemães, norte-americanos e italianos, teve, pela sua origem, uma educação diferenciada da usual naquela época. Estudou na Alemanha (1910-1914) e Estados Unidos (1915-1916). Nesses dois ambientes teve contato com a efervescência dos mais contundentes movimentos da arte moderna. Visitou a grande exposição Sonderbund, na cidade de Colônia, em 1912, conviveu com o desabrochar do expressionismo alemão, encontrou os frescos ecos do Armory Show nos Estados Unidos, ou com Duchamp escandalizando com seu "Nu descendo a escada" ou sua atrevida "Fonte".

Nada mais natural que ao regressar dos Estados Unidos apresentasse alguns quadros decididamente expressionistas, que lhe valeram a desaprovação da família e o artigo de Lobato, mas também um grupo de amigos, Oswald, Di Cavalcanti, Tarsila, Del Picchia e principalmente Mario de Andrade.

Ao voltar de Paris, onde morou por cinco anos, por meio da Bolsa do Pensionato do Governo do Estado, Anita, precisando ganhar a vida, começou sua dura carreira de professora de pintura e desenho e pintora nas horas vagas. Não tendo fortuna precisou fazer o que na época se vendia: basicamente flores e retratos, e todos mais "bem comportados".

Sua produção posterior, cheia de tropeços e muitas dúvidas, conserva, no entanto, sua indiscutível técnica e, como ela mesma desabafou, buscando dar um basta às cobranças e polêmicas que sua obra sempre despertou: "Tomei a liberdade de pintar a meu modo". E, ousando mais uma vez, deu este nome a uma de suas últimas exposições (Masp, 1955).

"...eu pinto aspectos da vida brasileira, aspectos da vida do povo. Procuro retratar os seus costumes, os seus usos, o seu ambiente. Procuro transportá-los vivos para minhas telas. Interpretar a alma popular.... Faço arte popular brasileira"... "Procurei todas as técnicas e voltei à simplicidade, diretamente, não sou mais moderna nem antiga, mas escrevo e pinto o que me encanta."


Luzia Portinari Greggio


Apresentação