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Candido Portinari


Pintor fundamentalmente realista, Candido Portinari – filho de imigrantes italianos nascido em 1903, em uma  fazenda de café em Brodowski, SP, e falecido em 1962, no Rio de Janeiro – demonstra, desde logo, a vontade de enfocar o habitat nacional, visto a partir dos personagens a ele associados. Fiel a esse programa, elabora uma vasta galeria dos tipos sociais e étnicos brasileiros. Trabalhadores gigantescos, grupos de retirantes – ora “clássicos”, ora expressionistas –, crianças brincando convivem lado a lado com uma vasta produção de retratos, que se distinguem pela captação da essencialidade psicológica dos modelos.

O prêmio ganho por Café (1935) na Exposição Internacional de Arte do Instituto Carnegie, de Pittsburg (1935), chama a atenção do ministro Gustavo Capanema, que lhe encomenda a feitura dos afrescos dos “Ciclos econômicos” (1936-1944) para o edifício do Ministério da Educação e Saúde. Uma concepção altamente sintética é o traço distintivo do conjunto. Inspirando-se no exemplo dos primitivos italianos, o pintor reduz o ambiente natural a poucos elementos referenciais, recorre a uma arquitetura simbólica para alguns fundos, a fim de poder melhor destacar o aspecto colossal e escultórico dos trabalhadores e dar a ver o equilíbrio alcançado entre a deformação das figuras e o rigor geométrico da composição.

Outra encomenda oficial marca o ano de 1936: a realização de quatro painéis para o friso do Monumento Rodoviário da estrada Rio de Janeiro-São Paulo. Lançando mão de uma técnica insólita, Portinari confere um tratamento metálico e mecânico a uma composição dominada por um realismo gigantesco e, desse modo, antecipa o realismo radical dos anos 1960. Nas décadas de 1940 e 1950, o pintor dedica-se a trabalhos de vastas proporções, alguns dos quais de caráter histórico, como os murais para a Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso de Washington (1941), A primeira missa no Brasil (1948), Tiradentes (1949) e Chegada de D. João VI ao Brasil (1952). Apesar da temática, o que deve ser ressaltado nessas obras é a leitura particular que o artista faz da história: o que lhe interessa é destacar a dimensão humana dos acontecimentos, suas relações com o cotidiano, e não a celebração oficial do herói ou do episódio.

Nos anos 1940, o realismo de Portinari transforma-se num expressionismo exacerbado, em virtude do impacto de dois acontecimentos: a Segunda Guerra Mundial e a visão de Guernica (1936), de Pablo Picasso. Os tons cinza da obra deste migram para a paleta do pintor brasileiro na Série bíblica (1942-1943), em que a deformação se torna muito contundente e agressiva. Outras obras do período trazem igualmente a marca do impacto de Picasso: a série Retirantes (1944), mais controlada do que as figuras bíblicas em termos dramáticos e caracterizada por uma rica gama cromática; e o painel São Francisco se despojando das vestes (1945), em que é alcançado um ponto de equilíbrio entre a deformação expressionista e uma concepção mais clássica e mais contida.

Aspectos do Portinari expressionista estão também presentes nos painéis Guerra e Paz (1953-1956), doados pelo Itamaraty à sede das Nações Unidas em Nova York. Inspirados no livro do Apocalipse e nas Eumênides (Ésquilo), os painéis, concebidos de maneira intemporal, podem ser considerados uma espécie de síntese iconográfica da trajetória do pintor. Cenas da vida na roça, a mãe com o filho morto, os retirantes, os meninos de Brodowski, dentre outros, transformam-se em símbolos de toda a humanidade, enfatizando o compromisso humanista de Portinari e justificando, mais uma vez, sua opção por uma linguagem realista.


Annateresa Fabris


Apresentação