Programa Mudanças Climáticas

Debate reúne especialistas sobre os desafios do meio ambiente pós-pandemia

Debate reúne especialistas sobre os desafios do meio ambiente pós-pandemia

Com a aceleração do desmatamento novas pandemias podem surgir

Neste dia do meio ambiente não temos o que comemorar por parte do governo, mas temos que rememorar e celebrar por parte da resistência da sociedade e da comunidade socioambiental brasileira. (Marina Silva).

Eu quero aproveitar esse dia do meio ambiente e chamar a atenção de todos para estarmos juntos nessa resistência no Brasil (Sebastião Salgado).

Hoje, enquanto que para lidar com a COVID-19 você tenha que fazer um lockdown, não existe como fazer um lockdown no clima do planeta e essa é uma questão que vai afetar a todos. (Paulo Artaxo).

Essas foram as reflexões que marcaram a abertura a live transmitida pelo Jornal O Globo, no seu site e plataformas digitais, que aconteceu na data de celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente. A ex-Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o fotógrafo Sebastião Salgado e o cientista e Coordenador do Programa FAPESP de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, Paulo Artaxo, mediados pela jornalista Miriam Leitão, conversaram e fizeram algumas análises em torno do tema “Os desafios do Meio Ambiente pós-pandemia”.

Para Sebastião Salgado é preciso dar mais atenção às instituições voltadas para as questões ambientais, pois o que se presencia é uma destruição: “nós estamos assistindo um desmonte das instituições no Brasil. Estamos só destruindo, destruindo a cultura, destruindo a saúde”. Instituições que antes protegiam os índios, hoje se voltam ao agronegócio. “Nós temos mais de 300 tribos e falamos quase 200 línguas na Amazônia. As comunidades indígenas no Brasil possuem uma coisa única que é ter a pré-história da humanidade. Isso permite a humanidade conviver com a sua pré-história e essa pré-história está profundamente ameaçada. Se quisermos conhecer o nosso futuro temos que preservar o nosso passado”.

“Enfrentamos, hoje, três crises importantes que têm pontos em comum e outros que se distinguem. Temos que fazer um paralelo entre elas: é a da COVID-19, a crise climática e da perda da biodiversidade. Essas três crises terão efeitos socioeconômicos devastadores e é sempre importante lembrar que a Amazônia tem milhares de vírus desconhecidos da ciência que vivem em equilíbrio com o ecossistema. Então, conforme você avança no desmatamento, você facilita o contato desses vírus com a nossa sociedade. Do ponto de vista de crise climática, a ciência tem muito claro e já deu o seu recado que se deixarmos aumentar a nossa temperatura do planeta em 4 ou 5 graus, nós teremos uma crise que não é uma crise que vai durar 1 ou 2 anos como essa da COVID, mas é uma crise que vai durar séculos. Então, nós temos uma responsabilidade enorme”, analisa o cientista Paulo Artaxo.

O debate levou ainda a temas como a proteção dos índios, os guardiães das florestas, que passam por extermínios pelo uso das terras e também tiveram os números de mortes aumentados pelos casos da COVID-19, e de que forma essas comunidades estão se organizando. “As comunidades indígenas nunca estiveram tão ameaçadas como estão hoje, mas também nunca estiveram tão organizadas. Eles têm uma política de isolamento, evitam ficar nas aldeias. Eles estão adentrando a floresta para se protegerem. É claro que ele não tem capacidade imunológica, não tem suprimentos médicos e, por isso, ficam mais vulneráveis”, informa Sebastião Salgado.

“A floresta é um ecossistema em equilíbrio, harmônico, que evoluiu em milhões de anos e é a casa de patógenos que está em equilíbrio. Se você facilita o contato desses patógenos com a sociedade eles avançam. É urgente reduzir o avanço do desmatamento a zero, preservar as áreas protegidas pelos índios e também os seus direitos. Eles sabem lidar com as fragilidades, com esse ecossistema. Eles são os guardiães das florestas”, enfatiza Artaxo.

Outro ponto de destaque no debate foi sobre a retomada da economia. Qual seria o ideal ou mais próximo do ideal para uma retomada de forma consciente e sustentável? Para Marina Silva, são várias as contribuições que podem vir por parte do governo, mas o que se vivencia hoje é uma grave crise política somada à crise da pandemia e da economia. “Não há um normal para voltar porque o que vivíamos já não era normal. Anomalias inaceitáveis, destruição da biodiversidade, modelo de energia que destrói o planeta, concentração de riquezas. É um modelo insustentável. Temos que fazer uma mudança de paradigma. É preciso pensar em um modelo de visão de mundo, ideal de vida, como o que vimos acontecer na união europeia para reformar e retomar uma economia trabalhando para que os novos investimentos sejam para prosperidade com sustentabilidade e igualdade de renda. Só haverá o futuro se mudarmos a nossa forma de produzir, de consumir e de nos relacionarmos uns com os outros. Temos que lutar para construir um novo normal de forma sustentável. É preciso que a política ouça a ciência e ciência não é mágica. Prosperidade sem destruição, respeito a vida e melhoria com igualdade de direito a todos”, analisa a ex-ministra do meio ambiente.

Para Sebastião Salgado “estamos no limiar. Temos que pensar em outra economia para nosso planeta”.

“Muitas pessoas perguntam quando vamos voltar ao normal, mas temos que lembrar que o que vivíamos não era normal. Não é normal desmatar 10 mil km de floresta por ano, não é normal emitir 48 gigas toneladas de CO2 por ano mudando a composição da atmosfera. Pegando a escala municipal, não é normal ter 7 milhões de automóveis em uma cidade como São Paulo causando um enorme transtorno para a população e fazendo ela respirar um ar absolutamente insalubre. Podemos ter novas ondas de pandemias pelo desmatamento. Então, voltar ao normal não é uma opção. Nós precisamos desenhar um novo normal que seja muito mais sustentável e ações e tomadas de decisões baseadas em ciência certamente é um caminho”, conclui Paulo Artaxo.

O debate na íntegra pode ser assistido no canal do Jornal O Globo, no Youtube. Clique aqui!


Página atualizada em 13/07/2020 - Publicada em 13/07/2020